Comparação de Esforço Físico entre Ciclismo em Bicicleta Convencional e Bicicleta Eletricamente Assistida: Aplicações no Treinamento de Atletas

Antônio Mello e Souza*

Jan2025


1. Introdução

O ciclismo é um dos esportes de resistência mais populares do mundo, exigindo do atleta elevados níveis de capacidade aeróbica, força muscular e habilidades técnicas (Faria, Parker & Faria, 2005). No contexto de treinamento, diversas estratégias são adotadas para otimizar a performance, incluindo diferentes tipos de equipamentos, como as bicicletas ergométricas para treino indoor e, mais recentemente, as bicicletas eletricamente assistidas (e-bikes) como opção para exercícios ao ar livre.

Embora existam estudos que avaliam os impactos do uso de e-bikes na saúde em geral (Castro et al., 2019; Strohmayer, Puhm & Pucker, 2022), a literatura especializada em treinamento de atletas de alto rendimento utilizando bicicletas elétricas ainda é escassa (Sperlich et al., 2019). Assim, este artigo busca comparar o esforço físico de ciclistas em bicicletas convencionais e e-bikes, destacando as potenciais vantagens de se utilizar uma e-bike (e-assistida) no treinamento de um ciclista profissional, em especial em exercícios intervalados, treinos de força e na fase regenerativa.


2. Comparação Fisiológica entre Bicicleta Convencional e e-Bike

2.1. Esforço Cardiorrespiratório

Estudos indicam que o uso de bicicletas elétricas pode gerar intensidades de exercício moderadas a vigorosas, dependendo do nível de assistência selecionado (Peterman et al., 2016). Em pesquisa envolvendo ciclistas ativos, Sperlich et al. (2019) mostraram que, embora o consumo de oxigênio (VO₂) e frequência cardíaca (FC) sejam ligeiramente menores ao usar assistência elétrica, os valores ainda permanecem em faixas que promovem adaptações aeróbicas.

2.2. Potência e Torque

Em subidas ou trechos em que se deseja maior intensidade, a redução da assistência ou até mesmo seu desligamento aumenta significativamente a exigência muscular, devido ao peso extra do conjunto bateria/motor/periféricos, típico das e-bikes (Bini & Hume, 2016). Assim, o ciclista precisa desenvolver maior força para vencer a inércia, o que pode ser vantajoso em treinos de força.


3. Vantagens da e-Bike no Treinamento de Atletas Profissionais

3.1. Exercícios Intervalados Aeróbicos

Um dos pilares do treinamento de ciclistas é o treino intervalado, que combina períodos de alta intensidade com intervalos de recuperação ativa (Faria, Parker & Faria, 2005). Ao utilizar uma bicicleta e-assistida, o atleta pode:

  1. Regular a assistência para manter intervalos de alta intensidade mais controlados, sem perder a continuidade do treino nos momentos de fadiga.
  2. Desligar o motor para simular o esforço de uma bicicleta convencional durante as séries de sprint, retomando a assistência apenas na recuperação para evitar quedas bruscas de rendimento.

3.2. Treinos de Força em Subidas

Nas subidas, a assistência elétrica pode ser ajustada de acordo com o objetivo do treino. Em um momento de maior ênfase na força, basta reduzir ou desligar a assistência para aproveitar o maior peso da bicicleta, aumentando a sobrecarga muscular. Já em períodos de recuperação, a assistência pode ser reativada para evitar sobrecarregar o atleta, mantendo a cadência sem exigir um esforço excessivo (Sperlich et al., 2019).

3.3. Fase Regenerativa

Na fase regenerativa (giro leve), a e-bike funciona como um facilitador, pois a assistência elétrica reduz a demanda cardíaca e muscular. Dessa forma, o ciclista pode continuar pedalando em ambientes externos, mantendo o benefício psicológico de sair da rotina indoor, mas sem intensidades inadequadas para o momento de recuperação (Castro et al., 2019).

3.4. Comparação com a Bicicleta Ergométrica

A bicicleta ergométrica é amplamente utilizada para treinos indoor controlados (Faria, Parker & Faria, 2005). No entanto, a e-bike (principalmente uma do tipo gravel, por sua versatilidade em diferentes terrenos) oferece:

  • Variedade de estímulos em percursos reais, com subidas, descidas e variações climáticas, o que torna o treino mais dinâmico e tecnicamente desafiador.
  • Possibilidade de uso no dia a dia (lazer ou deslocamento), garantindo um ganho de condicionamento extra fora das sessões de treino propriamente ditas (Strohmayer, Puhm & Pucker, 2022).
  • Controle de carga ajustável com a assistência elétrica, permitindo que o treinador prescreva treinos intervalados de forma mais específica do que em ergométricas tradicionais, já que a variação de potência não depende apenas da regulagem mecânica, mas também das condições de percurso e do apoio do motor.

3.5. Motivação, Participação em Pelotões e Prevenção de Lesões por Fadiga
Em situações em que o atleta se sente desestimulado a sair para treinar ou não tem certeza se conseguirá acompanhar o ritmo do pelotão, a bicicleta e-assistida pode ser um fator decisivo para mantê-lo em atividade sem riscos excessivos de fadiga ou lesão. Forçar um treino coletivo em estado de cansaço pode levar a sobrecarga e potencializar riscos de lesões musculoesqueléticas (Faria, Parker & Faria, 2005). A assistência elétrica permite que o ciclista:

  • Acompanhe o pelotão com menor esforço, garantindo a participação e o aspecto social do treino, mesmo em dias de menor disposição física (Strohmayer, Puhm & Pucker, 2022).
  • Assuma a dianteira do grupo com menor dispêndio de energia, possibilitando que os demais ciclistas fiquem em seu vácuo. Isso pode ser estratégico para treinos em equipe ou em situações de apoio, sem comprometer o desempenho de todo o pelotão (Bini & Hume, 2016).
  • Evite sobrecarga excessiva, mantendo a intensidade desejada e reduzindo a chance de sofrer lesões decorrentes de um esforço inadequado à condição física de um determinado momento (Faria, Parker & Faria, 2005).

Dessa forma, a bicicleta e-assistida favorece a participação contínua do atleta, reduzindo desistências e promovendo um maior envolvimento nas sessões de treinamento em grupo, bem como diminuindo o risco de lesões por fadiga em períodos de cansaço.


4. Discussão

A literatura sobre treinamento de atletas com e-bikes ainda é limitada, porém estudos iniciais apontam que, para indivíduos já condicionados, a assistência elétrica não anula o estímulo aeróbico, podendo servir de ferramenta eficaz para controle de intensidade (Peterman et al., 2016; Sperlich et al., 2019). Ademais, o peso extra do conjunto motor/bateria pode favorecer treinos de força, caso o ciclista opte por reduzir a assistência em trechos específicos (Bini & Hume, 2016).

No que diz respeito à comparação com bicicletas ergométricas, as e-bikes permitem o treinamento em ambiente externo, com maior variação de cenários e de estímulos neuromusculares. Além disso, podem incorporar-se facilmente ao cotidiano do atleta, contribuindo para maior volume de pedaladas diárias de baixa a média intensidade (Castro et al., 2019). A possibilidade de alternar entre uma assistência alta ou desligada pode otimizar treinos intervalados, bem como permitir sessões regenerativas mais prazerosas ao ar livre (Strohmayer, Puhm & Pucker, 2022).


5. Conclusão

Com base nas evidências existentes e na análise dos diferentes aspectos de treinamento, conclui-se que as bicicletas eletricamente assistidas podem ser uma opção viável e vantajosa para ciclistas profissionais, principalmente quando comparadas ao uso de bicicletas ergométricas em determinados tipos de treino:

  1. Exercícios intervalados: maior controle de intensidade por meio da assistência regulável.
  2. Treinos de força: uso do maior peso total da e-bike com pouca ou nenhuma assistência.
  3. Fase regenerativa: auxílio do motor para manter a cadência em intensidade reduzida ao ar livre.
  4. Versatilidade de uso: a possibilidade de deslocar-se no dia a dia ou lazer amplia o tempo total de pedaladas, sem sobrecarregar o atleta.
  5. Motivação, acompanhamento de pelotões e prevenção de lesões: a assistência elétrica garante a participação em treinos de grupo mesmo quando o atleta está menos motivado ou cansado, reduzindo riscos de esforço excessivo e possíveis lesões.

Assim, para ciclistas que buscam uma ferramenta de treino mais dinâmica do que a bicicleta ergométrica tradicional, uma bicicleta e-assistida do tipo gravel pode oferecer maior gama de benefícios fisiológicos, técnicos e motivacionais. Além disso, a bicicleta e-assistida pode ser uma excelente opção como segunda bicicleta para quem deseja complementação nos treinos (tanto intervalados quanto de força e recuperação) e ainda utilizá-la em atividades de lazer ou deslocamentos diários. Pesquisas futuras devem se aprofundar na elaboração de protocolos de treinamento específicos, avaliando a eficácia da e-bike em termos de ganho de performance e prevenção de lesões ao longo de diferentes fases do calendário competitivo.


Referências

  • Bini, R. R., & Hume, P. A. (2016). Cycling Biomechanics: Performance Improvement and Injury Prevention. Nova Science Publishers.
  • Castro, A., Gaupp-Berghausen, M., Dons, E., Standaert, A., Laeremans, M., Clark, A., … & Gerike, R. (2019). Physical activity of electric bicycle users compared to conventional bicycle users and non-cyclists: Insights based on health and transport data from an online survey in seven European cities. Transportation Research Interdisciplinary Perspectives, 1, 100017.
  • Faria, E. W., Parker, D. L., & Faria, I. E. (2005). The science of cycling: physiology and training—part 1. Sports Medicine, 35(4), 285–312.
  • Peterman, J. E., Morris, K. L., Kram, R., & Byrnes, W. C. (2016). Pedelecs as a physically active transportation mode. Transportation Research Part F: Traffic Psychology and Behaviour, 39, 135–146.
  • Sperlich, B., Zinner, C., Hébert-Losier, K., Born, D. P., & Holmberg, H. C. (2019). Biomechanical, cardiorespiratory, metabolic and perceived responses to e-bike cycling in active individuals. European Journal of Applied Physiology, 119(8), 1675–1687.
  • Strohmayer, M., Puhm, J., & Pucker, O. (2022). Are E-Bikes a Comprehensive Approach to Tackle Physical Inactivity? A Real-World E-Bike Loan Service. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19(14), 8866.

* Antônio Mello e Souza é ex-atleta de corridas de aventura, sócio da operação Skape e colaborador no design do projeto Skape Gravel GX.

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